ASPECTOS DO NOVO CPC (III): O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O PROCESSO DO TRABALHO

ASPECTOS DO NOVO CPC

ASPECTOS DO NOVO CPC

O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O PROCESSO DO TRABALHO[1]

Kleber de Souza Waki[2]

RESUMO: A Justiça do Trabalho terá, pela terceira vez, a missão de interpretar um novo Código de Processo Civil e decidir acerca de quais regras serão trazidas para integrar o processo do trabalho. Neste breve estudo buscamos analisar o dispositivo que trata do protagonismo do novo CPC no processo do trabalho (art. 15) e, em seguida, avançamos para o tema principal: o incidente da desconsideração da personalidade jurídica e sua aplicação no processo trabalhista. Veremos como o incidente se processará na Justiça comum e como o tema vinha sendo, até agora, enfrentado na Justiça Trabalhista. Confirmada a omissão, destaca-se a cautela necessária na aplicação das regras processuais comuns diante do modelo processual trabalhista.

PALAVRAS-CHAVE: Incidente – desconsideração – CPC – processo – trabalhista.

SUMÁRIO: 1 – O MODELO PROCESSUAL TRABALHISTA. A OMISSÃO E A APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA DO NOVO CPC. 2 – A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DO TRABALHO. JURISPRUDÊNCIA. 3 – A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO NOVO CPC. PETIÇÃO INICIAL E CAPÍTULO DE SENTENÇA OU INCIDENTE PROCESSUAL E DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. O EXAME DOS PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS. RECURSOS. 4 – OMISSÃO OU MODELO PROCESSUAL TRABALHISTA. A APLICAÇÃO DAS REGRAS DO NOVO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO NA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A ADAPTAÇÃO QUE ATENDA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO (ART. 1º, NCPC). 4.1 Reflexões iniciais. 4.2 Aplicação supletiva e subsidiária do novo Código de Processo Civil. Omissão do processo trabalhista. 4.3 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Processo do Trabalho. Integração das regras do novo Código de Processo Civil. 4.4 Dos pressupostos legais específicos para a aplicação da disregard doctrine. 5 – CONCLUSÕES. 6 – BIBLIOGRAFIA.

1. O MODELO PROCESSUAL TRABALHISTA. A OMISSÃO E A APLICAÇÃO SUPLETIVA E SUBSIDIÁRIA DO NOVO CPC.

                        Já teve início a contagem regressiva para o novo CPC, recentemente sancionado em 16/03/2015 (Lei n.º 13.105/2015), que entrará em vigor após o decurso do prazo de um ano a partir de sua publicação oficial (art. 1.045).

                        O processo do trabalho sempre bebeu na fonte das regras processuais comuns, por força do que dispõe o art. 769 da CLT. Aliás, desde que as leis trabalhistas foram consolidadas, em 1943, este será o 3º Código Processual submetido à leitura, interpretação e adaptação pelos juízes do trabalho. O velho comando geral para a importação das regras sempre foi a existência de omissão e, neste ponto, não há mudança.

                        Desde que não exista regra explícita prevista na legislação especial voltada para o processo do trabalho, a aplicação subsidiária do direito processual comum continuará autorizada. Todavia, até agora, havia um requisito claríssimo de salvaguarda: sempre foi preciso ponderar, na hora da importação de norma, se o dispositivo subsidiário era ou não compatível com o processo judiciário do trabalho.

                        E qual seria o desenho do processo trabalhista, para concluir acerca da compatibilidade processual?

 

                        Podemos citar algumas estruturas que são próprias ao processo especializado e que se encontram explicitamente previstas no Título X da CLT (Do Processo Judiciário do Trabalho): a busca da conciliação em todos os dissídios individuais ou coletivos (art. 764), a ampla liberdade dos juízes na direção do processo, inclusive para propor diligências de ofício (art. 765); o dever de velar pela rápida tramitação dos processos sob sua direção (art. 765); o Poder Normativo (art. 766), a tramitação preferencial dos processos envolvendo empresas falidas (art. 768), a possibilidade do impulso oficial na execução (art. 878) etc. Há outros, nem tão explícitos, que se revelam na ênfase com que são aplicados alguns princípios processuais comuns, eis que, na senda trabalhista, encontram especial colorido. Merece ser destacado o princípio da oralidade que, por sua vez, alberga outros quatro, revelando o seguinte conjunto: o princípio da própria oralidade (a realização verbal dos atos processuais, especialmente os probatórios, e sua documentação perante o juiz); o da concentração (que implica na sumarização do rito, com forte concentração na audiência); o da imediatidade ou imediação (que também trata do contato do juiz que irá proferir a sentença com as provas); o da unirrecorribilidade ou irrecorribilidade dos interlocutórios; e o da identidade física do juiz[3]. Sobre este último, convém anotar que, originariamente, não se aplicava na Justiça do Trabalho. A importação da regra (prevista, na doutrina, como integrante do princípio da oralidade e, no Código, no art. 270 do CPC de 1939 ou no art. 132 do CPC de 1973) somente foi admitida com a extinção da representação classista paritária que, por sua vez, provocou o cancelamento da Súmula 136/TST[4].

                        Além das características explícitas e implícitas, a incompatibilidade também pode se revelar quando verificado o confronto com qualquer outra regra geral ou específica que envolvam as fases cognitiva, de execução ou recursal. Dou como exemplo a exegese extraída para a não aplicação do art. 475-J do CPC/1973 (no novo CPC, o artigo correlato é o de n.º 523) na execução trabalhista[5].

                        Em suma, pode-se dizer que será incompatível a regra importada que:

  1. a) viole os princípios e características, explícitos ou implícitos, sobre os quais se baseia o processo do trabalho;
  2. b) afronte, indiretamente, regra especial aplicada no processo do trabalho.

                        Aqui cabem dois pontos de atenção: o primeiro é que não se deve confundir omissão com opção por um modelo processual específico que está sedimentado sobre sólidos princípios e características processuais marcantes.

                        Vejamos a questão dos honorários advocatícios de sucumbência: o processo do trabalho não possui uma regra semelhante à do art. 20 do CPC de 1973 (e que no nCPC está albergado no art. 85). Logo, poder-se-ia dizer que a CLT é omissa.

                        A resposta, contudo, é não. Não há omissão, mas uma clara opção por um modelo processual que não contempla, por política judiciária, a condenação do sucumbente em honorários advocatícios, exceto nos casos de má-fé e de concessão dos benefícios da assistência judiciária (Leis 1060/50 e 5584/70). Este foi o entendimento pacificado na jurisprudência trabalhista, através da Súmula 11/TST (infelizmente revogada por aquele Tribunal) e Súmula 633/STF (cuja leitura deve ser feita em harmonia com a Súmula 450/STF)[6].

                        Seguindo este exemplo do processo trabalhista, afastando-se a condenação em honorários advocatícios por sucumbência, temos no nosso ordenamento a propositura de ações relativas ao Direito do Consumidor (art. 87, CDC), ações coletivas como a Ação Popular (art. 5º, LXXIII, CR) e a Ação Civil Pública (art. 18, Lei 7.347/1985) ou ações como Mandado de Segurança (Súmulas 105/STJ e 512/STF), o Mandado de Injunção, a Ação Monitória (se houver pagamento imediatamente à apresentação do mandado monitório) etc.

                        A mestre e doutora Helena Najjar Abdo ensina que:

“A lei disciplina a gratuidade total ou parcial do processo e a dispensa do pagamento dos honorários advocatícios em alguns casos especiais, quer em razão da natureza do procedimento ou dos sujeitos da relação jurídica processual, quer para inibir a resistência da parte ou a interposição de recursos”[7].

                        Então, apesar de omissa a CLT, sempre se entendeu pela não aplicação, no processo do trabalho, da regra geral que impõe o ônus da sucumbência, já que isto violava a compatibilidade com o processo do trabalho.

                        E o que muda com o novo Código de Processo Civil?

                        Diferentemente do que ocorria até agora, não é mais apenas a CLT que adota a regra de subsidiariedade. O novo CPC estende o seu protagonismo, determinando-se aplicável de forma supletiva e subsidiária também para os ramos dos processos especializados (eleitoral, trabalhista ou administrativo), quando houver omissão. É notório que o novo Código Processual comum não trouxe a qualidade de compatibilidade, mas introduziu o caráter de supletividade. Se,até aqui, pegávamos de empréstimo os dispositivos do processo comum, a partir do novo CPC estas regras passarão a integrar a estrutura processual trabalhista, completando aquilo que nos falta.

                        A questão que se apresenta, diante deste contexto, é saber se a supletividade conflita com a compatibilidade. E mais uma vez a resposta é negativa, até porque não são expressões antônimas. A primeira quer dizer complemento, ou seja, torna natural a integração das regras comuns como se fossem próprias do processo do trabalho; a segunda, diz respeito à verificação se: 1 – há omissão que mereça ser completada; ou 2 – se a falta de regra específica constitui um sinal do modelo processual trabalhista.

                        Portanto, mesmo que o novo CPC traga regra específica atualizada, colocando-se como fonte formal e natural do processo do trabalho (o que poderia até alimentar o debate sobre a revogação do art. 769 da CLT – o que, a rigor, não existe, pois as regras são complementares), não há dúvida de que continua sendo inevitável (e acredito que agora ainda mais, por força da qualidade de supletividade da norma importada) que a transposição das regras processuais comuns passe pelo crivo da compatibilidade com o modelo processual trabalhista.

                        E devemos ter a consciência e a responsabilidade de que, apenas à Justiça do Trabalho, caberá o relevante papel de definir, por meio de sua jurisprudência, quais normas terão aporte subsidiário e supletivo, sem que isto nos desvie do propósito, que sempre foi único: avançar ainda mais com o modelo vanguardista do processo trabalhista.

                        Para isto, caio no segundo ponto que merece ser realçado: o dever de fundamentar as decisões judiciais (outro ponto inflamado no nCPC). Mais uma vez deverá o juiz do trabalho apontar, com clareza e precisão, as razões pelas quais atrai ou repele a regra importada do processo comum. Esperamos que, desta vez, com a vasta experiência que amealhamos nos dois estatutos processuais comuns anteriores, sejamos sábios e prudentes para tão somente incrementar o modelo processual que temos e não para engessá-lo, como já o fizemos anteriormente.

                        Ainda sobre a fundamentação, convém anotar que nunca foi novidade, para o regime democrático, a importância de decisões judiciais edificadas de forma clara sobre os alicerces do Direito.

                        Em tempos onde a jurisprudência assume forte musculatura e estende efeitos quase vinculantes – e que assim os chamo por não assumir força vinculante explícita -, residirá na sólida, precisa e cristalina fundamentação um dos recursos de preservação das características de independência e liberdade para julgar. A clara definição dos pontos de ancoragem dos fundamentos em que se assentam as máximas (súmulas, enunciados, orientações jurisprudenciais, precedentes normativos de unificação de jurisprudência etc.) permitirá que continue a passar ao largo do entendimento cristalizado (ou seja, de teses claras e definidas) as questões ainda não uniformizadas. Por outro lado, quanto mais genérica forem as decisões judiciais nos processos que formam os precedentes judiciais, mais amplo será o alcance da petrificação da jurisprudência, o que não é bom[8].

                        Dentro dessas premissas, passo à analise de uma questão em particular: a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho antes da edição do novo Código Processual comum.

2. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DO TRABALHO. JURISPRUDÊNCIA.

                        É cediço que o Tribunal Superior do Trabalho não tem competência para tratar de temas da execução trabalhista, exceto se houver demonstração de violação direta e literal da Constituição da República (art. 896, § 2º, CLT). Portanto, a rigor, não há enfrentamento da questão acerca da desconsideração da personalidade jurídica, quanto ao mérito, no âmbito daquele Tribunal Superior. Cito, a propósito:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. NULIDADE – AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PENHORA – BEM DO EX-SÓCIO. A admissibilidade do recurso de revista contra acórdão proferido em agravo de petição depende de demonstração inequívoca de afronta direta à Constituição da República. Aplicabilidade da Súmula nº 266/TST e do art. 896, § 2º, da CLT. Agravo desprovido.” (TST-AIRR-380-91.2010.5.02.0066).

                        E também destaco trecho do voto, na parte em que nomina os artigos constitucionais invocados pelo ex-sócio chamado a responder, com seu patrimônio pessoal, pelas dívidas da empresa ré:

“Ao contrário do que insinua a recorrente, não se vislumbra ofensa ao art. 93, IX, da CF, pois a questão posta a desate foi devidamente enfrentada pela Turma, a qual adotou tese explícita a respeito (OJ 256/SDI-I/TST).

Por outro lado, a violação imputada ao art. 5º, II, XXXVI e LV, da Lei Maior não viabiliza o apelo, pois eventual ofensa ao texto da Constituição da República resultaria da infringência reflexa a normas legais, o que não se coaduna com o caráter extraordinário do instrumento processual ora analisado.

Vale lembrar que, como o recurso de revista em apreço foi interposto contra acórdão proferido em agravo de petição, não é possível argumentar com as hipóteses de dissenso pretoriano e violência a preceito de lei ordinária, ante a restrição contida no § 2º, do art. 896, da CLT (Súmula 266/TST).”

                        O tema da desconsideração da personalidade jurídica, em linhas gerais (há uma exceção, que veremos mais adiante), também não é aceito pelo TST em sede de Ação Rescisória:

AÇÃO RESCISÓRIA. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – Incabível a ação rescisória, considerando-se que a matéria em debate é de interpretação controvertida nos tribunais, e a exegese conferida pela sentença rescindenda não destoa da literalidade do texto legal, uma vez que a execução da empresa que se extinguiu de modo irregular, processa-se diretamente sobre os bens dos seus sócios, em virtude da desconsideração de sua personalidade jurídica. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (TST-ROAR-531319/99.1, SBDI-2/TST, rel. Ministro Ives Gandra Martins Filho, j. 9.5.2000).

                        O Mandado de Segurança revela-se meio inadequado para a discussão sobre a aplicação ou não da Doctrine of Disregard of Legal Entity:

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PENHORA. BEM PARTICULAR. SÓCIO COTISTA MINORITÁRIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.

  1. Mandado de segurança visando a evitar a consumação da penhora sobre bens particulares de sócio minoritário em execução de sentença proferida em desfavor de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cuja dissolução se deu sem o encaminhamento do destrato à Junta Comercial.
  2. Em casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito e violação aos estatutos sociais ou contrato social, o art. 28 da Lei nº 8.078/90 faculta ao Juiz responsabilizar ilimitadamente qualquer dos sócios pelo cumprimento da dívida, ante a insuficiência do patrimônio societário. Aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
  3. Recurso ordinário não provido.” (TST-ROMS-478.099/98.0, redator designado ministro João Oreste Dalazen, j. 4.4.2000, SBDI-2/TST).

                        Apesar da limitação do TST para tratar de questões da execução, quando elas não envolvam afronta direta e literal da Constituição, há um atalho para que aquele Tribunal Superior se pronuncie sobre temas executivos: os recursos aviados em Ações Rescisórias. Apesar do TST também ter jurisprudência firmada sobre o descabimento da Ação Rescisória para discutir a despersonalização da pessoa jurídica, há situações excepcionais. Eis um exemplo em que se alcançou um dos efeitos decorrentes da despersonalização:

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA – PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE RESCISÃO DE DECISÃO PROFERIDA NOS AUTOS DE AGRAVO DE PETIÇÃO QUE VERSA SOBRE PENHORA DE BEM ALIENADO A TERCEIROS FUNDADA EM FRAUDE À EXECUÇÃO – DECISÃO DE MÉRITO. Os embargos de terceiros constituem ação autônoma, destinada a solucionar questão incidental quando a decisão prolatada em sede de execução de sentença atinge direitos de pessoas estranhas aos polos da reclamação trabalhista. Muito embora a decisão proferida em juízo de execução não tenha força de coisa julgada contra terceiros, irradiando seus efeitos apenas aos litigantes, a prolação de decisão judicial em que se mantém a constrição de patrimônio alheio às partes litigantes, julgando improcedentes os embargos de terceiros, fundada na existência de fraude à execução, ostenta natureza meritória e definitiva quanto à expropriação do bem, sendo atacável por ação rescisória, nos termos do art. 485 do CPC. Não se pode atribuir à decisão em tela o caráter meramente processual, como pretendem os réus, pois o imóvel expropriado será levado à praça, a fim de satisfazer a execução quando a empresa executada não possui patrimônio suficiente para tanto, o que demonstra a definitividade do pronunciamento constante do título executivo judicial que se pretende rescindir. A utilização da ação possessória, de competência da Justiça Comum, não afasta o cabimento da ação rescisória, na medida em que a penhora decorre de ato judicial emanado desta Justiça Especial, cujo eventual error in judicando deverá ser corrigido nesta mesma esfera judicial, via ação rescisória, não podendo ser delegado àquela Justiça a competência para revisar a decisão judicial aqui proferida. Nesse sentido encontram-se os precedentes desta SBDI-2, da lavra do Ministro Alberto Bresciani de Fontan Pereira: RO-205800-71.2009.5.15.0000, DEJT 27/04/2012; RO-127600-62.1999.5.02.0000, DEJT 27/04/2012; RO-12300-60.2010.5.13.0000, DEJT 27/04/2012.

Preliminar rejeitada.

EXECUÇÃO CONTRA BEM DO SÓCIO DA EMPRESA DEMANDADA, TRANSFERIDO À OUTRA EMPRESA E ALIENADO A TERCEIRO DE BOA-FÉ – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA – DESCONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE AÇÃO EXECUTIVA CONTRA A EMPRESA ALIENANTE, QUE SEQUER INTEGROU O POLO PASSIVO DA RECLAMATÓRIA TRABALHISTA – EFICÁCIA DA TRANSAÇÃO IMOBILIÁRIA. Recaindo a execução em bem de empresa de propriedade do sócio, estranha ao polo passivo da reclamação trabalhista em que tramita a execução de sentença, em face da desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada a fim de expropriar bens dos sócios, agem de boa-fé os terceiros adquirentes, sobretudo quando nem sequer tinham conhecimento da existência de qualquer embargo sobre o imóvel objeto da transação, conforme consignado na decisão rescindenda, devendo ser reputado válido e eficaz o negócio jurídico celebrado entre as partes. Recurso ordinário em ação rescisória conhecido e provido.” (TST-RO-84000-04.2007.5.09.0909, rel. Ministro Vieira de Mello Filho, j. 29.5.2012, SBDI-2/TST).

                        Portanto, a rigor, o tema é enfrentado, em definitivo, em sede de primeiro e segundo graus e é neste último que se colhe, da jurisprudência, as seguintes características que, a par de não serem exaustivas, dão uma amostra da ocorrência do fenômeno no processo do trabalho:

Quanto ao HIPÓTESES EXEMPLIFICATIVAS
CABIMENTO  

admite-se a despersonalização de empresa falida em face dos sócios se, contra eles, não houver sido imposta responsabilização patrimonial na ação falimentar[9];

 

 

contra sócio de fato[10];

 

de forma inversa[11];

 

 

contra sócio (pessoa jurídica) que figure como sócio majoritário da executada[12];

 

 

contra sociedades anônimas de capital fechado[13];

 

contra os sócios de empresa em recuperação judicial[14];

 

 

contra sócia minoritária que já se retirou da sociedade, porém há menos de dois anos[15];

 

Quanto ao HIPÓTESES EXEMPLIFICATIVAS
NÃO CABIMENTO  

Quando as executadas são pessoas jurídicas sem fins lucrativos[16];

 

 

quando a execução já esteja garantida[17];

 

 

Contra sociedades anônimas (especialmente as de capital aberto[18]);

 

 

antes de constatada a inexistência ou insuficiência de bens da sociedade executada[19];

 

 

time de futebol (associação civil)[20].

 

Quanto ao FASE PROCESSUAL
MOMENTO

DA DESCONSIDERAÇÃO

 

Conhecimento[21] (Mérito – coisa julgada)

 

 

Execução (Incidente Processual)

 

Quanto à TEORIA ENCAMPADA[22]

TEORIA “MAIOR”                                                                                       TEORIA “MENOR”

Quanto ao HIPÓTESES
 

 

 

 

 

 

 

 

CONTRADITÓRIO

Contestação

(se formulado o pedido de desconsideração na fase de conhecimento)

Objeção Pré-Executiva
Embargos de Terceiro
Embargos à Execução
Agravo de Petição

                        Traçadas estas linhas gerais da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, vejamos agora como o novo Código de Processo Civil enfrenta o assunto.

3. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO NOVO CPC. PETIÇÃO INICIAL E CAPÍTULO DE SENTENÇA OU INCIDENTE PROCESSUAL E DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. O EXAME DOS PRESSUPOSTOS ESPECÍFICOS. RECURSOS.

                        A desconsideração da personalidade jurídica sempre foi tratada como um incidente processual, ou seja, uma questão acidentária no curso do processo que precisa ser solvida antes que ele retome a sua marcha regular. Eram raras as hipóteses em que o tema surgia na petição inicial.

                        O novo Código de Processo Civil inovou ao estabelecer, para o exame desta questão incidental, um procedimento a ser seguido.

                        O estatuto processual comum procura, mediante a introdução de um breve rito, assegurar a atenção aos princípios constitucionais do processo na solução desta indagação (ver Capítulo IV – Do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica, da Seção III – Da Assistência Litisconsorcial, do Título III – Da Intervenção de Terceiros, arts. 133 e seguintes).

                        O pedido de desconsideração da personalidade jurídica (inclusive a inversa) pode ser formulado diretamente na petição inicial, hipótese na qual o sócio ou a pessoa jurídica deverão ser citados como litisconsortes passivos (art. 134, § 2º). Neste caso, tanto um (sócio) quanto outro (pessoa jurídica – no caso da desconsideração inversa) poderão, querendo, apresentar a contestação e se defender quanto ao mérito desta questão e, dentro dos limites da assistência litisconsorcial, de todas as demais que compõem o pedido do autor (ver art. 124). Uma vez resolvida a questão, por sentença ou acórdão que resulte de recurso interposto do julgamento de primeiro grau, a solução fica imantada com a qualidade da coisa julgada, de modo que não caberá mais a propositura deste tema, em face dos litisconsortes já admitidos no processo, de forma incidental. É preciso salientar que não poderá haver repetição da questão amparada nos mesmos fatos e direito antes examinados. Significa dizer que, caso se verifique, somente adiante (na fase executiva, por exemplo), a ocorrência de novos fatos que justifiquem o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, nada obstará sua análise mediante instauração do incidente. O que não se afigura viável, obviamente, é a mera repetição de fatos e argumentos já deduzidos anteriormente e que estejam à sombra de decisão tornada irrecorrível.

                        Quando não requerido na petição inicial, o pleito de desconsideração da personalidade jurídica poderá ser formulado de forma incidental e em qualquer instância, tanto na fase de conhecimento como nas fases de cumprimento de sentença ou de execução.

                        Certamente, a instauração do incidente se dará exclusivamente dentro da atuação da jurisdição ordinária, uma vez que os Tribunais Superiores têm competência definida pela Constituição da República. Colho da doutrina incipiente (WAMBIER et al., 2015):

“Pode-se suscitar o incidente de desconsideração da pessoa jurídica em qualquer fase do processo e em qualquer tipo de processo, seja qual for o procedimento. É indiferente que o processo esteja em 1º ou em 2º grau de jurisdição. Já na fase de recurso especial ou extraordinário, não é possível a suscitação do incidente, já que é a Constituição Federal que disciplina a competência dos Tribunais Superiores e, ademais, por causa dos estreitos limites do efeito devolutivo destes recursos, que estão adstritos à questão federal ou à questão constitucional, revestida esta última de repercussão geral, seria despropositado admitir-se um incidente cujos limites pudessem extrapolar o da questão discutida nestes recursos”[23].

                        Uma vez requerida a desconsideração como incidente – e desde que admitida, provocará imediatamente dois efeitos: a) a anotação junto ao Cartório Distribuidor; b) a suspensão do processo (art. 134, §§ 1º e 3º).

                        A finalidade da anotação do incidente é oferecer publicidade a terceiros, já que a decisão a ser tomada para solucionar a questão poderá atingir pessoas estranhas ao processo (art. 137), inclusive desfazendo negócios jurídicos (como alienação ou oneração de bens)[24].

                        O requerimento de desconsideração, quer ele seja formulado na petição inicial, quer como incidente processual, exigirá, doravante, a expressa citação do sócio (ou da pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa) envolvido na questão. Recebido e admitido o incidente, anotado, suspenso o processo e citado o litisconsorte, terá início a contagem do prazo de 15 (quinze) dias para o oferecimento de resposta, acompanhada de provas, se houver e especificando-se outras que a parte queira produzir.

                        Porque se trata de citação, o sócio (ou sócios) ou a pessoa jurídica (em caso de desconsideração inversa) sofrem os efeitos da revelia para a questão posta no incidente.

                        Uma indagação que pode ser, desde já, levantada é com relação à participação do sócio ou da pessoa jurídica, no caso de acolhimento do pedido de desconsideração, no processo que passará, então, a integrar. Estando os autos ainda na fase de conhecimento e considerando que este sócio (ou pessoa jurídica, na desconsideração inversa) figura como assistente litisconsorcial, terá ele assegurado o direito de acrescentar elementos de defesa direta (de mérito) ou indireta àquela contestação já apresentada pelo réu principal? Ou o litisconsorte acompanhará o processo no estado em que se encontra? Penso que aqui a questão se resolve conferindo-se ao sócio ou pessoa jurídica os mesmos limites do assistente litisconsorcial. Isto quer dizer que não há, por causa deles (assistentes litisconsorciais passivos), a ampliação do rol de testemunhas, por exemplo, da parte assistida.

                        Também não há no novo CPC, de modo explícito, limitação a número de testemunhas que possam ser ouvidas, caso a instrução de outras provas, que não as meramente documentais, se revele necessária. Isto, contudo, não chega a ser um problema, haja vista que os incidentes, em regra geral, não possuem disciplina detalhada quanto à sua instrução, devendo ser resolvido pelo bom e prudente arbítrio do juiz. Também parece aplicável, na hipótese, o que dispõem os arts. 190/191 do nCPC (a negociação processual).

                        O pedido de desconsideração deve, a partir do nCPC, demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para o reconhecimento deste fenômeno, conforme exigem os arts. 133, § 1º e 134, § 2º. A decisão que resolver o incidente terá natureza interlocutória e, portanto, deverá ser proferida no prazo de 10 (dez) dias (art. 226, II) e observando-se a regra do art. 489 (disciplina da fundamentação). Desta decisão caberá recurso (agravo interno, se a decisão for tomada em segundo grau, pelo relator – art. 136, parágrafo único; ou agravo de instrumento, se resolvida em primeiro grau – art. 1015, IV, nCPC).

                        Com o acolhimento do pedido de desconsideração, não poderão ser oponíveis, em face de quem se aproveita desta declaração, os efeitos de alienação ou oneração de bens, desde que também restem demonstrados os requisitos do art. 792 do nCPC. O exame da fraude à execução alcançará o período posterior à citação do sócio (ou da pessoa jurídica, na desconsideração inversa), ou seja, a partir do momento em que ele toma ciência do pedido de desconsideração, quer porque integra o polo passivo desde a petição inicial, quer porque passa a integrar o processo mesmo em pedido incidental (art. 792, § 3º, nCPC). Ainda no exame da fraude à execução, deverá ser ouvido o terceiro adquirente (art. 792, § 4º, nCPC), antes da decisão.

4. OMISSÃO OU MODELO PROCESSUAL TRABALHISTA. A APLICAÇÃO DAS REGRAS DO NOVO CPC NO PROCESSO DO TRABALHO NA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. A ADAPTAÇÃO QUE ATENDA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO (ART. 1º, NCPC).

4.1 Reflexões iniciais.

                        Do ponto inicial deste estudo até aqui já examinamos, na jurisprudência, como tem se processado a desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho e como o novo Código de Processo Civil disciplinou o assunto.

                        As primeiras reflexões sobre o tema agora se voltam para as seguintes indagações: 1. a Justiça do Trabalho vem resolvendo a questão da desconsideração da personalidade jurídica, inclusive inversa, como incidente processual? 2. De que forma o processo trabalhista tem assegurado ao sócio (ou pessoa jurídica, na desconsideração inversa) o exercício do contraditório? 3. Qual a Teoria adotada para aplicar a desconsideração da pessoa jurídica: a “Maior”, a “Menor” ou uma teoria híbrida? 4. Como aplicar, no processo do trabalho, regras que são originariamente pensadas para o Direito Processual comum? 5. Admitida a aplicação do novo CPC, em que prazo a decisão interlocutória deverá ser proferida? 6. Admitiremos a possibilidade de recurso contra decisão interlocutória? O juiz do trabalho poderá suscitar o incidente de ofício e em que fase processual ou instância?

                        Vamos ao exame destas primeiras interrogações.

4.2 Aplicação supletiva e subsidiária do novo Código de Processo Civil. Omissão do processo trabalhista.

                        A meu ver, como não há, na legislação processual do trabalho, qualquer previsão que discipline o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, não tenho dúvida em concluir que estamos diante da hipótese de omissão, o que, a princípio, autoriza a aplicação supletiva e subsidiária do novo Código de Processo Civil (art. 15).

                        A propósito, esta específica omissão de normas processuais para tratar do tema (lembrando que, até a chegada do nCPC, a omissão era generalizada), foi, até então, suprida pela Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (arts. 68 e 69). Neste documento, que observa apenas os atos posteriores à aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ficaram traçados os seguintes passos:

NORMAS INTERNAS APLICADAS NA

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DO TRABALHO

 

 

1.

As regras somente são aplicáveis na fase de Execução (Seção XII – Execução – Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho – CGJT)
 

2.

Decisão fundamentada lavrada pelo juiz da execução (a jurisprudência – não só trabalhista – registra, inclusive, a desconsideração de ofício), incluindo o sócio para responder pela dívida trabalhista. A rigor, não há observância do contraditório.
 

3.

Reautuação do processo, inclusão do nome do sócio nos registros informatizados e capa dos autos (art. 68, I).
 

4.

Comunicação imediata ao Setor de Expedição de Certidões no Judiciário do Trabalho para inscrição do nome do sócio no cadastro das pessoas com reclamações ou execuções trabalhistas em curso (para atender aqui, muito especialmente, os serviços de expedição da CNDT – Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas[25]);
 

5.

Citação do sócio (art. 68, III da Consolidação dos Provimentos da CGJT c/c art. 880, CLT e 596 do CPC[26]).

                        Como dito no início deste trabalho, creio que caberá ao julgador examinar se a norma processual comum, quando importada, não irá desfigurar o modelo processual trabalhista. Sabemos que a resposta será negativa porque, mesmo sendo a CLT absolutamente omissa sobre a forma de investigar e decidir acerca da desconsideração da personalidade jurídica, a questão tem sido enfrentada em nossos processos especializados e disciplinada por normas internas (não sendo admissível supor que essas regras internas se sobreponham às normas do Processo Comum, que é de imposição cogente no caso de omissão, pois o novo Código atua de forma supletiva e subsidiária. E não é neste mesmo vazio que atuam nossas normas internas?).

                        Logo, é forçoso concluir que a admissão de uma disciplina comum para cuidar do exame da disregard doctrine não afronta o nosso modelo processual.

                        Descendo ainda às minúcias das regras, poderíamos sustentar que um ou outro artigo não seria admissível no processo do trabalho. O argumento é substancial, mas isto nos forçaria a repelir a regra incômoda e não o procedimento próprio.

                        Por fim, ainda poderíamos sustentar que o rito trabalhista é célere, concentrado, sumário, marcado pela simplicidade e com ampla ênfase nos princípios da concentração, da economia processual, da eventualidade e da oralidade. Mas será que poderíamos sustentar que, em nome de tantos princípios processuais, poderíamos negar a adoção de uma trilha única, que confere maior segurança jurídica e que fortalece a proteção ao contraditório e ampla defesa dos envolvidos? Poderíamos defender que a simples adoção de regras que estão a definir com clareza a forma para o processamento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, sem adentrar na substanciação do pleito (ou seja, o novo Código de Processo Civil não diz que interpretação deve ser adotada, nem quais são os pressupostos admissíveis para o pedido de desconsideração, por exemplo) afrontaria o modelo processual trabalhista? E por que seria este nosso modelo processual atingido de forma tão impactante enquanto, ao mesmo tempo, não o seria o rito previsto nos Juizados Especiais (cuja criação se inspirou na vanguarda do processo do trabalho)? Afinal, para os Juizados Especiais o incidente tem adoção mais do que explícita (art. 1062, nCPC).

                        Entendo que as regras do incidente devem, afinal, ser importadas para o processo do trabalho, observando-se, neste translado, a compatibilidade com o rito que por aqui é adotado, especialmente quanto aos prazos, atuação do juízo e recursos, como veremos adiante.

                        Sendo a CLT e legislação extravagante omissa; admitindo-se a desconsideração da personalidade jurídica (inclusive inversa) no âmbito do processo do trabalho; aplicando-se na Justiça laboral todos os princípios constitucionais do processo e impondo o novo CPC a aplicação supletiva de seus institutos, é de se concluir que o incidente previsto no novo Código deve ser observado também no processo do trabalho.

4.3 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Processo do Trabalho. Integração das regras do novo Código de Processo Civil.

                        A jurisprudência trabalhista, já vimos, tem registro de que o pedido de responsabilização dos sócios pode ser examinado desde a petição inicial. Com a previsão explícita no novo CPC, nenhuma dúvida mais subsistirá quanto ao interesse ou legitimidade do sócio (ou pessoa jurídica, na desconsideração inversa), quando apontados na peça vestibular.

                        Aqui é preciso atentar que não bastará ao reclamante indicar os nomes dos sócios, para que figurem como meros litisconsortes passivos. Se o propósito é ver aplicada a Teoria da Desconsideração, é imprescindível que o autor deduza os pressupostos legais específicos em face do sócio (ou da pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa).

                        A defesa do sócio (ou da pessoa jurídica, na desconsideração inversa) se dará mediante contestação. A solução da questão virá com a sentença e o recurso próprio para revisar o pedido será o ordinário, recaindo, sobre a decisão definitiva, os efeitos da coisa julgada. Assim, quando apresentada a questão na petição inicial e resolvida por sentença, com o efeito da res judicata, a rigor não mais será possível e necessário reacender o debate na fase da execução. É claro, vale repetir, que havendo alteração de fato (fato novo ou superveniente) ou de direito, o tema poderá ser reanalisado em incidente, sendo inviável apenas o exame de situação fática e argumentos já decididos.

                        Considerando que o juiz do trabalho pode (não é dever, mas faculdade) impulsionar, de ofício, a execução (art. 878, CLT), dois caminhos se descortinam.

                        O primeiro é aquele apontado pelo novo Código de Processo Civil e que atribui a iniciativa à parte interessada ou ao Ministério Público a legitimidade para formular o requerimento. Com isso, o juiz do trabalho não poderá mais, de ofício, decidir pela desconsideração da personalidade jurídica primeiro para, só depois, estabelecer o contraditório[27].

                        É fácil compreender o porquê da exclusão do juiz como legitimado para a propositura do incidente. Afinal, um dos requisitos do incidente consiste em apontar os pressupostos legais para o pedido de desconsideração. Ora, se o próprio juiz apontar estes pressupostos legais, como ele, na qualidade de julgador avaliará a defesa que se oponha aos argumentos iniciais, que são seus (do juiz)?

                        Poderíamos cogitar de uma aplicação temperada: o juiz instauraria o incidente, mas omitiria os pressupostos legais específicos para a desconsideração. Esta alternativa atrairia dois problemas: a) a decisão poderia ser reputada como sem fundamentos, violando a Constituição Federal (art. 93, IX); e b) sendo necessária a citação do sócio (ou da pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa) e não sendo indicados os pressupostos legais específicos, contra o que o litisconsorte teria que se defender?

                        Portanto, é mais do que recomendável que, apesar de deter a faculdade (o art. 878 da CLT fala em poder, não em dever) de impulsionar a execução, o juiz do trabalho se abstenha de promover de ofício a instauração do incidente processual, cabendo ao interessado a tarefa de reunir os argumentos e formular o pleito.

                        Outro ponto de destaque diz respeito à citação. Para uns, a desconsideração não implicava em trazer o sócio como parte em uma nova lide e, por isso, era dispensável a citação. Destaco jurisprudência nesse sentido:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DOS BENS PESSOAIS DE SÓCIOS DA EMPRESA DEVEDORA. CITAÇÃO DOS SÓCIOS CUJOS BENS FORAM ATINGIDOS PELA DESCONSIDERAÇÃO. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE OITIVA “A POSTERIORI”. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA.

  1. A desconsideração da personalidade da sociedade não tem o condão de formar nova lide, de modo que é desnecessária a citação dos sócios da empresa executada.
  2. A aplicação da teoria da desconsideração não pode ignorar os postulados do devido processo legal e os princípios da ampla defesa e do contraditório, previstos na Constituição Federal, de modo que na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica deve o magistrado oportunizar às partes interessadas o direito de defesa.
  3. A oitiva dos sócios cujos bens podem ser atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica executada pode ser realizada “a posteriori“, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. Precedentes do STJ e TJDFT.
  4. Agravo de instrumento conhecido e desprovido”. (Acórdão n.864712, 20150020041992AGI, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 30/04/2015, Publicado no DJE: 06/05/2015. Pág.: 288)”

                        Já na Justiça do Trabalho, onde a desconsideração costuma ocorrer de ofício e mediante decisão fundamentada, a jurisprudência assentou ser necessário promover a citação do sócio, garantindo-lhe, assim, o direito ao contraditório:

EMENTA: NULIDADE DA CITAÇÃO. Para constituição e desenvolvimento regular da relação jurídica processual, é imprescindível a citação inicial válida. No caso, não foram utilizados os meios adequados para que a agravada tivesse ciência da sua inclusão no polo passivo da demanda, em razão da desconsideração da personalidade jurídica, gerando o bloqueio de numerário em sua conta bancária. Assim, demonstrada a ausência do pressuposto de existência do processo, qual seja, a citação válida, em reverência às garantias constitucionais salvaguardadas pelos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Republicana, correta a declaração de nulidade da citação da reclamada. Agravo do exequente desprovido. (TRT18, AP – 0010788-60.2013.5.18.0012, Rel. GERALDO RODRIGUES DO NASCIMENTO, 1ª TURMA, 16/04/2015)

EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE PARTE INTEGRADA AO POLO PASSIVO. A integração ao polo passivo da execução de qualquer responsável pelo adimplemento deve ser precedida de citação. Recurso provido. (TRT18, AP – 0001965-31.2012.5.18.0013, Rel. PAULO PIMENTA, 2ª TURMA, 14/12/2012)

                        Portanto, no âmbito do processo trabalhista, o sócio passava a integrar o polo da execução como parte. Esta determinação para que o sócio trazido para a execução seja citado consta, inclusive, no art. 68, III da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.

                        Uma vez citado para responder pela dívida da empresa, há registros de diversas formas para a articulação da defesa como: Objeção Pré-Executiva, Embargos à Execução, Embargos de Terceiro ou interpondo, diretamente, o Agravo de Petição contra a decisão que o incluiu na demanda executiva. Contudo, as objeções pré-executivas (ou exceções de pré-executividade) não eram facilmente admitidas, por quase nunca abrigarem questões de ordem pública (objeções), conhecíveis de ofício. Quanto aos Embargos de Terceiro, a admissão deste instrumento é igualmente duvidosa para tal propósito (ou seja, negar a condição de parte), já que, mesmo discordando da posição processual, o sócio (embargante) passava a responder pela execução principal após citação.

                        A seguir o rito proposto no novo CPC, simplifica-se o procedimento. Formulado o requerimento e admitido o incidente pelo juiz do trabalho, notifica-se o cartório distribuidor e setor responsável pela emissão de certidões, para prevenção quanto ao interesse de terceiros e atenção às regras de expedição da Certidão Nacional de Dívidas Trabalhistas, dando, assim, a necessária publicidade. Cita-se o sócio (ou pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa). Abre-se o prazo para a defesa (15 dias) e decide-se pela necessidade ou não de outras provas.

                        Pode-se cogitar de instauração de audiência para o recebimento da defesa, adotando-se a regra do quinquídio (art. 841, CLT) previsto para a contestação, bem como as regras de arquivamento e decretação dos efeitos da revelia (art. 844, CLT). Esta é, sem dúvida, uma adaptação razoável e que será definida pela jurisprudência. Adotar, ou não, a possibilidade de audiência para a solução do incidente não desfigurará o itinerário em seus pontos principais. Entretanto, merece atenção a análise de conciliações quanto ao objeto do incidente. Se o sócio (ou pessoa jurídica, na desconsideração inversa) é, a rigor, um devedor solidário, outorgar os efeitos de quitação da dívida a este sócio poderá implicar no pedido de reconhecimento do mesmo efeito por parte do devedor principal ou demais devedores solidários (arts. 269, 274 e 277, Código Civil).

                        Entendo, no entanto, que quando há assinalação de procedimento certo, com prazo definido e se está diante de quadro de omissão que justifique a aplicação supletiva da regra processual comum, a adaptação deve se conformar à estrutura processual trabalhista sempre com o propósito de conferir às partes a maior segurança jurídica possível.

                        É fato que a sumarização dos prazos do incidente se conformam com o rito sumário da reclamação trabalhista. Contudo, a observação do prazo explícito do CPC confere às partes maior segurança jurídica, pois não precisará raciocinar buscando compreender qual a formatação que dará este ou aquele juiz.

                        A adaptação precisa levar em consideração não só os prazos, mas também outros institutos processuais aplicáveis (tipo de recurso, por exemplo) e, por isso, não há como extrair uma regra precisa. É possível, todavia, presumir que, se o processo do trabalho dispõe de instituto próprio e similar àquele invocado pelo CPC/2015 para aplicação junto com o incidente de desconsideração, será aplicado o instituto próprio trabalhista (por exemplo: o princípio da unirrecorribilidade das decisões interlocutórias. Mesmo que o nCPC tenha almejado incorporar este princípio, abriu exceção para o Incidente em discussão, mas o processo do trabalho não tem razão para imitá-lo, importando hipótese recursal que não é admissível na estrutura de nossos ritos).

                        Por outro lado, se não há disciplina específica e não envolve um instituto próprio, o melhor será seguir aquilo que está definido no novo CPC. Portanto, o prazo para decidir o incidente no processo do trabalho deve ser o mesmo concebido no estatuto processual comum: 10 (dez) dias.

                        Por se tratar de decisão interlocutória, volto a repetir, não caberá recurso imediato no processo do trabalho (art. 893, § 1º, CLT), se esta decisão foi proferida na fase de conhecimento, pelo juiz de primeiro grau. No processo do trabalho, o agravo de instrumento só é admitido para liberar o seguimento de recurso trancado (art. 897, “b”, CLT). Veja que aqui há uma regra específica que não pode ser vencida pela disciplina do novo CPC, porque implicaria em alterar a estrutura do modelo processual trabalhista.

                       Em se tratando de decisão lançada na fase de execução, o recurso cabível será o Agravo de Petição, que poderá ser proposto no prazo de até 08 (oito) dias (art. 897. § 1º, CLT). Se o incidente for instaurado em sede de segundo grau, da decisão proferida pelo relator caberá o recurso do Agravo Regimental.

                        Ao fim, acolhida a desconsideração, poderão vir a ser analisados os efeitos de eventual fraude à execução.

                        Saliente-se que o acolhimento do pedido de desconsideração não significa, por si só, que tenha havido fraude à execução nos negócios que, antes, foram realizados pelo sócio a partir da desconsideração, quando já integrava a lide como litisconsorte (ainda que precária sua posição processual).

                        Será necessário que se demonstre a presença dos demais requisitos previstos no art. 792 do nCPC. Em relação aos terceiros, além da exigida publicidade esperada com a providência de comunicação de instauração do incidente ao Cartório Distribuidor e setor competente pela expedição de certidões[28], também será preciso observar o que dispõe a Lei n.º 13.097, de 19 de janeiro de 2015, especialmente o art. 54, I, que impõe ao interessado a obrigação de averbar, na matrícula de bens imóveis que espera sejam garantidores de seus prováveis créditos, a existência de ações reais ou pessoais reipersecutórias, já que a falta desta providência pode resultar na intangibilidade do negócio celebrado com terceiro.

4.4 Dos pressupostos legais específicos para a desconsideração da pessoa jurídica.

                        Para encerrar este breve estudo, reservei para o final o exame substancial da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Trataremos aqui dos pressupostos legais específicos exigidos no art. 133, § 1º e 134, § 4º do novo CPC.

                        A base sólida de uma sociedade que aspira a uma convivência democrática repousa na Constituição do seu país. Trata-se de documento que elenca os valores a partir dos quais construímos nossa nação. Definem-se, neste documento, os princípios, direitos e garantias fundamentais, organizam-se o Estado e os Poderes, as medidas de Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, a Tributação e o Orçamento, a Ordem Econômica e Financeira – com os princípios gerais da atividade econômica e a Ordem Social. Todas as regras ali consolidadas precisam ser lidas em harmonia, de modo que o reconhecimento de direitos instituídos a favor de um não se traduzam como a negação dos direitos de outrem.

                        E, para o que interessa a este estudo, convém anotar que a Carta da República, não por acaso, colocou no mesmo inciso e no mesmo artigo, a importância dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos de nossa República e do Estado Democrático de Direito.

                        Portanto, do início, não se vê na Carta Magna um libelo favorável à concessão de direitos a um e denegatório a outro. É preciso que os valores sociais sejam conformados aos da livre iniciativa e vice-versa.

                        E por que a livre iniciativa seria uma agressão aos direitos dos trabalhadores, se é através dela que se fomenta a multiplicação das relações de trabalho?

                        Por isso, o Estado admitiu, em seu regime capitalista, a criação das empresas, nas mais diversas formas societárias e, por isso, assegurou a elas o reconhecimento como pessoa (pessoa jurídica), outorgando-lhe personalidade, capacidade e autonomia de direitos e obrigações e, em cima disso, instituiu-se a responsabilidade patrimonial. Na esteira dessa evolução, o Código Civil consagra, em seu art. 1024, o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.

                        O caso Salomon versus Salomon & CO. Ltd. costuma ser apontado como sendo o precursor da disregard doctrine ou disregard of legal entity[29]. Seguindo o que prescrevia a lei, na época, Aaron Salomon constituiu uma sociedade por ações, detendo substancial número de ações e entregando apenas uma ação (cada) para outros seis membros, todos de sua família. Além disso, Salomon constituiu garantia hipotecária por empréstimo pessoal concedido à própria empresa. Ao entrar em dificuldades financeiras, os bens da empresa eram suficientes para pagar os credores com garantia, como Salomon, mas não os quirografários. Foi aí que o liquidante dos credores quirografários pediu para que o véu protetivo da empresa fosse levantado, já que servia apenas como um biombo para que o sócio Salomon não fosse responsabilizado por suas ações (e não ações da sociedade comercial, uma vez que constituída apenas com intuito fraudulento). Embora o argumento tenha sido acolhido pelo juiz e pelo Tribunal, a decisão foi cassada pela Câmara dos Lordes, sufragando o entendimento de que, formalmente, a empresa detinha constituição regular.

                        Como se vê, apesar de Salomon ter sido salvo dos credores por força da decisão da Câmara dos Lordes, nota-se que a fraude, isto é, o uso abusivo da autonomia da sociedade comercial, apareceu como o núcleo motor do reconhecimento da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

                        No Brasil, a CLT apontava como responsável pelas obrigações trabalhistas o empregador, assim o considerando como sendo a empresa individual ou coletiva e definindo-a como sendo aquela que assume os riscos da atividade econômica[30], admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço. Equiparou a empresa à pessoa física (profissionais liberais), instituições de beneficência, associações recreativas, instituições sem fins lucrativos, desde que atuem admitindo empregados. Estendeu o conceito de empregador para empresas que se consorciam, tendo a frente um administrador único (e que, para a jurisprudência atual, revela-se inclusive na figura do grupo econômico por coordenação, ou seja, mesmo quando não há uma direção de hierarquia superior – v. art. 2º e parágrafos, CLT).

                        Há quem veja, nessa definição, os traços da responsabilização do empregador, quer por meio da empresa que assume tais distinções, quer por meio dos sócios que estão por trás da empresa.

                        Isto porque a CLT também traçou parâmetros bastante flexíveis para manter o foco da responsabilidade do empregador, como se vê nos arts. 9º (que anula todo e qualquer ato praticado com o objetivo de fraudar a aplicação das leis trabalhistas), 10 e 448 (que não altera os direitos adquiridos dos empregados, em caso de mudanças na estrutura jurídica da empresa) da CLT.

                        No entanto, para o professor André Luiz Santa Cruz Ramos[31], a introdução no ordenamento jurídico da disregard doctrine observou os seguintes passos (ao que, acrescentei, ao fim, o que vai na Lei Pelé):

DIPLOMA LEGAL DESCRIÇÃO
LEI 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor  

SEÇÃO V

Da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(…)

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

 

Lei n.º 8.884, de 11.06.1994dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica

Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.       (Revogado pela Lei nº 12.529, de 2011).
 

Lei n.º 9.605, de 12.02.1998 – dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
 

 

 

 

CÓDIGO CIVIL

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Lei n.º 9.615, de 24.03.1998 (Lei Pelé) Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.     (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003)

                        Em sua doutrina, André Santos lembra que o art. 50 do Código Civil é, hoje, a regra matriz da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, sendo neste mesmo sentido a conclusão contida no Enunciado 51 do CJF:

Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema“.

                       E não obstante o nominado jurista perfilhe entendimento no sentido de que o Código Civil deveria ter revogado as hipóteses amplíssimas de desconsideração da personalidade jurídica introduzida – especificamente, para as relações de consumo e de meio ambiente (e definitivamente transportadas para o processo do trabalho) -, lembrou também da conclusão lançada no Enunciado 9, da I Jornada de Direito Comercial empreendida pelo Conselho da Justiça Federal[32], que diz:

9. Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT.”

                        Embora não exaustivos, são estes os principais pressupostos específicos, previstos em lei, que devem ser necessariamente trazidos ao exame, quando suscitada a teoria da desconsideração da pessoa jurídica.

                        Particularmente, assim como o autor atrás mencionado, compartilho do entendimento de que melhor seria a aplicação da teoria da disregard doctrine quando fundada em desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial. Não comungo, por outro lado, de sua conclusão de que, à vista da ampla possibilidade de aplicação da desconsideração nas relações consumeristas ou do meio ambiente, ficassem afastado, das situações excepcionais, os credores trabalhistas e estabeleço meu dissenso em duas razões básicas.

                        A primeira, porque é fato que o trabalhador não negocia os créditos que são constituídos a seu favor, pois participa da relação jurídica contratual como hiipossuficiente (a exemplo do consumidor). Logo, não há porque excluir o trabalhador de proteção conferida ao consumidor: a uma, porque o direito comum é fonte do direito do trabalho; a duas, porque o trabalhador é tão ou mais hipossuficiente do que o consumidor, sendo certo que ambos não dispõem de poderes para, digo de novo, negociar a constituição de seus créditos.

                        A segunda razão pela qual não faz sentido excluir os trabalhadores da proteção mais ampla está albergada no art. 186 do Código Tributário Nacional, que coloca o crédito trabalhista na condição de superprivilegiado e cuja qualidade também pode ser invocada como pressuposto específico para aplicação da teoria da desconsideração.

 

                        Tomemos como exemplo que um consumidor e um ex-empregado, em ações naturalmente individuais e nos juízos próprios, disputem seus créditos em face de uma mesma empresa. Supondo que, adotada a aplicação do art. 28, § 5º do Código do Consumidor apenas em benefício do consumidor, o juízo cível determinou a penhora do crédito, em espécie, na conta de algum sócio, retirando o véu protetor da personalidade jurídica da empresa ré executada. Se, eventualmente, o reclamante trabalhista tomasse ciência da existência deste crédito e formulasse o pedido de penhora do numerário para a garantia do seu crédito, antes da satisfação do consumidor, ser-lhe-ia negado o reconhecimento da natureza superprivilegiada de seu crédito? Creio que isto seria impensável, até porque a penhora realizada para satisfação de crédito de consumidor não figura como bem impenhorável (art. 833, nCPC ou 649 do CPC/1973).

                        O ideal seria que, para os créditos não negociais, houvesse a instituição de um seguro obrigatório. Para os consumidores, não há notícia de que se pense na instituição de algo semelhante. Porém, no caso trabalhista, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 trouxe a previsão de criação do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas (com aporte das receitas decorrentes das multas extraídas de condenações trabalhistas e administrativas, além de outras receitas, sendo estas últimas as mais importantes, porque cabe a quem exerce atividade de risco negociar o seguro do risco da atividade), mas o legislador não despertou para a importância de sua regulamentação, mesmo passado mais de uma década da previsão legal.

                        Não obstante estas ponderações, cabe ainda uma última observação, para que tenhamos em mente que, mesmo na Justiça do Trabalho, a jurisprudência tem se pautado por uma aplicação temperada da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

                        Note-se que, à vista do conceito de empregador, descrito no art. 2º da CLT, somado à hipótese amplíssima de que o quadro de insuficiência patrimonial é, por si só, bastante para a retirada da capa protetora da personalidade jurídica e a investida contra os sócios, emerge a seguinte questão: por qual razão a jurisprudência trabalhista não tem admitido a desconsideração contra entidades sem fins lucrativos?

                        Neste ponto, friso, é de se aplaudir a jurisprudência trabalhista, uma vez que não faria sentido que o processo passasse a incluir, como responsáveis por obrigações trabalhistas, as pessoas que se voluntariaram a alguma atividade filantrópica. Mas é preciso destacar que aí não é a personalidade jurídica da figura societária que funciona como proteção e sim o papel assumido pelos associados, presumidamente desinteressados em acarretar ganhos pessoais por força da natureza da entidade a qual estavam filiados.

                        Por fim, vale destacar que a Lei do Desporto (Lei n.º 9.615/1998) é explícita, em seu art. 27, na adoção da regra matriz da Desconsideração da Pessoa Jurídica (art. 50, Código Civil).

5. CONCLUSÕES
  1. O novo Código de Processo Civil é de aplicação extensiva ao processo trabalhista, uma vez que é dotado das qualidades de supletividade e subsidiariedade (art. 15, nCPC). Apesar da nova regra não trazer, em sua redação, o requisito da compatibilidade, é forçoso reconhecer que é preciso distinguir o que é típico do modelo processual trabalhista daquilo que deva ser caracterizado como omissão.
  1. Colhe-se na jurisprudência trabalhista as características acerca da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no processo do trabalho, especialmente de arestos produzidos nos Tribunais Regionais do Trabalho, haja vista que o TST detém competência ínfima para tratar de temas da execução (art. 896, § 2º, CLT).
  1. A disregard doctrine tem sido aplicada em situações de falência da executada, recuperação judicial da executada, sócio majoritário e controlador de empresa insolvente ou com características de insolvência, sócio minoritário que se afastou da sociedade há menos de dois anos, sócio de fato, sócio oculto (de sociedade em conta de participação), na modalidade da desconsideração inversa, sociedade anônima de capital fechado e, é claro, na simples constatação de insuficiência patrimonial da empresa. Por outro lado, a jurisprudência trabalhista tem inadmitido a aplicação da teoria quando houver bens suficientes para responder pela dívida em nome da empresa executada, quando se tratar de entidade sem fins lucrativos, sociedades anônimas de capital aberto e entidades desportivas.
  1. Admitida a desconsideração, o sócio (ou pessoa jurídica, na desconsideração inversa) é citado na fase executiva, assume a qualidade de parte na execução, assegurando-lhe o contraditório. A defesa do sócio ou empresa trazido para a execução tem se manifestado através de objeção pré-executiva (ou exceção de pré-executividade – de aceitação controvertida, quando não trouxer à discussão elementos que seriam conhecíveis de ofício pelo julgador), embargos à execução, embargos de terceiro (sendo duvidoso o uso deste instrumento para irresignação do sócio por sua inclusão como parte na execução) ou mesmo atacando diretamente a decisão de desconsideração por meio de Agravo de Petição. A ausência de citação do sócio, na Justiça do Trabalho, tem acarretado a nulidade da decisão e dos atos posteriores.
  1. Sendo admitida a desconsideração no processo do trabalho e não havendo regras explícitas que definam o procedimento, deve ser aplicado o novo Código de Processo Civil, devendo o tema ser tratado como incidente processual, exceto se a questão for apresentada na petição inicial.
  1. Ainda que o juiz do trabalho possa promover o impulso oficial na execução (art. 878, CLT), não é recomendável que tome a iniciativa de suscitar o incidente, haja vista que o novo Código de Processo Civil determina que o requerimento seja feito mediante a invocação dos pressupostos legais específicos, citando-se o sócio ou a pessoa jurídica, instruindo-se com outras provas, se necessário e, ao fim, decidindo-se a questão, mantendo-se o processo suspenso até o julgamento do incidente. Se o próprio juiz lançar os pressupostos específicos da lei, instalando o incidente, como repelirá a defesa de seus próprios fundamentos? E se o juiz, de ofício, não lançar os pressupostos específicos na lei, para dar início ao incidente, citará o sócio ou pessoa jurídica para apresentar manifestação contra o quê? Ademais, sem fundamentação dos pressupostos específicos, esta decisão poderá ser considerada como desfundamentada, o que agrediria a Constituição (art. 93, IX, CR).
  1. Formalizado o pedido de instauração do incidente e sendo ele admitido pelo juiz, deverá ser comunicado o cartório distribuidor e setor de expedição de certidões do Tribuna, para anotação e publicidade e atenção à CNDT, a fim de que sejam resguardados os direitos de terceiros.
  1. A decisão que acolhe o pedido de desconsideração tem seus efeitos estendidos para todos os negócios celebrados a partir da citação do sócio (ou pessoa jurídica, no caso da desconsideração inversa), podendo restar caracterizada a fraude à execução. A desconsideração da personalidade jurídica, em si, não acarreta a fraude à execução, sendo necessário demonstrar os elementos previstos no art. 792 do nCPC. Ademais, em relação aos terceiros, é preciso observar o que prescreve o art. 54, I da Lei 13.097/2015.
  1. Como no processo do trabalho as decisões interlocutórias não são recorríveis de imediato, exceto quando terminativas, não é aplicável a figura recursal do agravo de instrumento prevista no art. 1015, IV, nCPC.
  1. Resolvido o incidente na fase de execução, o recurso a ser aviado será o Agravo de Petição, no prazo de 8 dias (art. 897, a, CLT).
  1. Resolvida a desconsideração por sentença, o recurso será o ordinário (art. 895, CLT) e sobre esta decisão incidirá o efeito da coisa julgada, o que tornará inviável rediscutir a matéria na fase da execução, exceto se o pedido incidental se apoiar em fatos novos ou supervenientes.
  1. O ordenamento jurídico adotou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma amplíssima nas relações consumeristas e de agressão ao meio ambiente, desvinculando sua incidência de demonstração de fraude ou abuso. Não obstante, o Código Civil adotou como regra matriz (art. 50) a aplicação da Teoria da desconsideração mediante demonstração de fraude. A Justiça do Trabalho tem adotado teoria mitigada, afastando da desconsideração apenas os entes filantrópicos e as entidades desportivas, bem como sociedades anônimas de capital aberto. Para as demais situações, tem prevalecido o entendimento da desconsideração por mera insuficiência patrimonial da executada, a exemplo do que ocorre nas relações consumeristas e nas dívidas decorrentes de agressão ao meio ambiente.
  1. O ideal – e nossa realidade ainda está longe disto, para maior segurança jurídica, seria a adoção da regra matriz, prevista no art. 50 para todas as relações negociais e não negociais travadas pela empresa (adotando-se, para os créditos decorrentes de relações não negociais outras seguranças específicas, como a criação do Fundo de Garantia de Execuções Trabalhistas, Seguro para as relações de consumo, elevação do privilégio do crédito do consumidor ou da sociedade em danos causados ao meio ambiente, por exemplos), respeitando-se, como regra geral, o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, levantando-se o véu protetor para buscar a responsabilidade patrimonial dos sócios apenas quando demonstrada a prática de fraude ou abuso.

BIBLIOGRAFIA

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  • Agradecimento especial ao amigo e colega de profissão Rodrigo Dias da Fonseca, pela leitura, revisão e correção de alguns deslizes gramaticais. Obrigado, Rodrigo!

[1] Este trabalho foi originalmente desenvolvido para apresentação no XIX Encontro Institucional de Magistrados do TRT da 14ª Região, realizado pela Escola Judicial daquele Tribunal. A presente versão foi atualizada após o evento e por causa dele.

[2] Bacharel em Direito (UFMT). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho (UFG). Juiz do Trabalho (TRT 18).

[3] Ver, a propósito, as lições de Moacyr Amaral Santos, in Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Vol. 2, ed. Saraiva, 24ª edição, 2008.

[4] O TRT da 18ª Região disciplinou a aplicação do art. 132 do CPC por meio da Resolução Administrativa n.º 052/2014.

[5] Para alguns tribunais, o art. 475-J foi considerado como de plena aplicação, por se revelar compatível com o processo do trabalho. O TRT da 3ª Região chegou, inclusive, a lavrar súmula a respeito: TRT3-SÚM. 30 (RA 135/2009, disponibilização/divulgação: DEJT/TRT3 10, 11 e 12/11/2009) MULTA   DO   ART.   475-J   DO   CPC.   APLICABILIDADE   AO   PROCESSO TRABALHISTA.   A multa prevista no artigo 475-J do CPC é aplicável ao processo do trabalho, existindo compatibilidade entre o referido dispositivo legal e a CLT. Em sentido contrário, o TST firmou o entendimento pela não compatibilidade. Cito, a propósito, o seguinte aresto: EMENTA: MULTA DO ART. 475-J DO CPC. PROCESSO DO TRABALHO. INCOMPATIBILIDADE. 1. Conquanto recomendável, “de lege ferenda“, a aplicação da multa do art. 475-J do CPC no Processo do Trabalho encontra óbice intransponível em normas específicas por que se rege a execução trabalhista. 2. Se, de um lado, o art. 475-J do CPC determina ao devedor o depósito obrigatório do valor devido, o art. 882 da CLT abre para o executado a faculdade de garantia do juízo com outro tipo de bem. Manifesto que se a CLT assegura ao executado o direito à nomeação de bens à penhora, isso logicamente exclui a ordem para imediato pagamento da dívida sob pena de incidência da multa de 10%. 3. A aplicação à risca do procedimento do art. 475-J do CPC igualmente conflita com a CLT no tocante à exigência de citação, visto que, pela atual sistemática do Processo Civil, não há mais citação do executado em execução de sentença condenatória para pagamento de dívida, tampouco citação para pagar ou nomear bens à penhora, como se dava outrora. No entanto, esse ainda é o modelo ou o rito abraçado pela CLT para a execução trabalhista (art. 880 da CLT). 4. Outro contraste manifesto entre o procedimento do art. 475-J do CPC e o da CLT repousa nos embargos do devedor: garantido o juízo pela penhora, o art. 884 da CLT assegura ao executado o prazo de cinco dias para opor embargos à execução, ao passo que o § 1º do art. 475-J do CPC faculta ao executado apenas impugnar o título judicial, querendo, no prazo de quinze dias. Ao substituir os embargos à execução, verdadeira ação conexa de cognição, pela impugnação, mero incidente processual desprovido de efeito suspensivo, o CPC introduziu uma inovação sumamente relevante e que ainda mais evidencia o descompasso de procedimentos em cotejo com o Processo do Trabalho. 5. Na prática, a insistência em se aplicar no âmbito da execução trabalhista o art. 475-J do CPC, não obstante inspirada nos melhores propósitos, apenas retarda a satisfação do crédito exequendo. A desarmonia doutrinária e jurisprudencial multiplica recursos, amplia a sensação de insegurança jurídica e trava a celeridade processual almejada. 6. Embargos providos para excluir da condenação a multa do art. 475-J do CPC. (TST-E-RR 4700-87.2008.5.13.0022, SBDI-1/TST, redator designado: ministro JOÃO ORESTE DALAZEN, j. 29.06.2010). Mas, e se o ponto de vista fosse o de que não há omissão? Neste sentido, em acórdão por mim relatado, o TRT da 18ª Região consagrou o seguinte entendimento: DECISÃO   TRABALHISTA.   EFICÁCIA.   EXECUÇÃO.   PRAZO, MODO   E   COMINAÇÕES   ESTABELECIDOS   PELO   JUIZ. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA NOS PRECEITOS CONDENATÓRIOS. ART. 832, § 1º DA CLT. De acordo com o art. 832, § 1.º da CLT, o juiz determinará o prazo e as condições para o cumprimento da decisão. Logo, nada obsta que seja fixada – a exemplo do que faz o regime do Cumprimento de Sentença, no Processo Civil – a imposição de multa em caso de não cumprimento espontâneo das obrigações, inclusive as de pagar. Harmônica com esta previsão legal está o art. 765 da CLT, que outorga ao juiz a ampla liberdade para velar pelo andamento rápido das causas (e isto implica avançar até sua extinção) e o art. 880 da CLT que, já na fase executiva, estabelece que na expedição do mandado de citação o executado será instado a cumprir “a decisão ou acordo no prazo, pelo modo e sob as cominações estabelecidas”. Apelo a que se nega provimento. (TRT ROPS 0011229-31.2014.5.18.0101, rel. juiz KLEBER DE SOUZA WAKI – convocado, 2ª Turma/TRT 18, j. 23.04.2015).

[6] Este tema foi explorado com mais profundidade no artigo “Os Honorários Advocatícios na Justiça do Trabalho e a Assistência Judiciária. As súmulas 11, 219 e 329 do TST e as Súmulas 450 e 633 do Supremo Tribunal Federal. Publicado originalmente em 03/11/2009 e revisado em 01/03/2015. Disponível no seguinte endereço: < https://direitoeoutrostemas.wordpress.com/2015/03/01/os-honorarios-advocaticios-na-justica-do-trabalho-e-a-assistencia-judiciaria-as-sumulas-11-219-e-329-do-tst-e-as-sumulas-450-e-633-do-supremo-tribunal-federal/ >. Acesso em 23/05/2015.

[7] ABDO, Helena Najjar, “O (EQUIVOCADAMENTE) DENOMINADO “ÔNUS DA SUCUMBËNCIA” NO PROCESSO CIVIL, Revista de Processo, v. 140, p. 37-53, outubro/2006. Também disponível no seguinte link: < http://www.marcatoadvogados.com.br/sdi/paginas/imagens/arquivo42.pdf >. Acesso em 18.05.2015.

[8] A propósito do tema da Disciplina da Fundamentação, faço breve análise do art. 489 do nCPC no texto “O Dever Constitucional de Fundamentar as Decisões Judiciais. Disponível no seguinte link: < https://direitoeoutrostemas.wordpress.com/2015/03/06/aspectos-do-novo-cpc-i-o-dever-constitucional-de-fundamentar-as-decisoes-judiciais-e-o-novo-codigo-de-processo-civil/ >. Acesso em 31.05.2015.

[9] EMENTA: FALÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CABIMENTO. É cabível a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, o qual permite o direcionamento da execução trabalhista em face os sócios da sociedade empresária executada, cuja falência foi decretada. Tal medida, logicamente, exige que o patrimônio dos sócios não se confunda com o da empresa, impondo se observar, ainda, a inexistência de prévia responsabilização patrimonial dos sócios, decretada em ação específica   perante   o   Juízo   falimentar,   conforme   previsto   no   artigo   82   da   Lei   de   Falência   (Lei   nº11.101/2005). (TRT AP 00784-2007-042-03-00-6, rel. ALICE MONTEIRO DE BARROS, j. 13.5.2011, TRT 3ª Região).

[10] EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SÓCIO DE FATO. CARACTERIZAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade tem o objetivo de evitar que, por meio do seu uso indevido, pela fraude ou pelo abuso, ocorra a lesão de direitos dos credores. Garantem-se, pois, os direitos dos empregados em caso de insuficiência de bens da empresa. No caso dos autos, não foi localizado patrimônio da sociedade executada, permanecendo o crédito obreiro sem qualquer satisfação. Havendo evidências significativas da existência de um sócio “de fato” e que outras sociedades de propriedade desse sócio formavam grupo econômico com a empresa originalmente executada, correta a desconsideração da personalidade jurídica operada na hipótese, impondo-se a manutenção do bloqueio de valores efetuado em conta bancária de uma daquelas outras sociedades de propriedade do sócio “de fato”. (TRT AP 01231-2006-091-03-00-0, rel. juíza convocada MARTHA HALFELD FURTADO DE MENDONÇA SCHMIDT, j. 14.10.2014, 7ª Turma, TRT 3ª Região).

[11] EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Aplica-se ao processo do trabalho a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica, segundo a qual é possível o excepcional afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade empresarial por dívida de sócio, a fim de impedir que o desvio fraudulento de bens pessoais do sócio para a sociedade empresária frustre a execução. (TRT AP 03195-2012-030-03-00-7, rel. SÉRCIO DA SILVA PEÇANHA, j. 30.4.2014, 8ª Turma, TRT 3ª Região).

[12] AGRAVO DE PETIÇÃO. SÓCIO CONTROLADOR. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Sendo a empresa vinculada ao Município agravante, o qual se constitui legítimo detentor do capital social e do poder de gestão da sociedade em questão (sócio controlador), cabe a ele, agravante, por aplicação da chamada Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, suportar a execução ante a insuficiência do patrimônio da executada. (TRT AP 01803-2001-002-16-00-6, rel. MÁRCIA ANDREA FARIAS DA SILVA, j. 18.09.2007, TRT 16ª Região).

[13] EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. EQUIVALÊNÇA A SOCIEDADES PESSOAIS. No direito de empresas há uma clara dicotomia entre as denominadas sociedades pessoais e sociedades de capital, residindo a principal diferença na análise acerca da affectio societatis. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada, espécie de sociedade de pessoas, é aplicada na Justiça do Trabalho independentemente da cota de participação de cada sócio ou do exercício de cargo de direção ou gestão. A sociedade anônima de capital fechado é espécie de sociedade personificada, em que a figura do acionista é de suma importância para a própria constituição e existência. A aproximação de tais tipos de sociedade (limitada e anônima de capital fechado), mormente após o advento do Código Civil de 2.002 autoriza tratamento semelhante no que toca à desconsideração da personalidade jurídica de ambas para fins de recebimento de crédito trabalhista. Agravo de petição desprovido. (TRT AP 00647-2012-081-03-00-1, rel. juiz convocado MÁRCIO TOLEDO GONÇALVES, j. 13.08.2013, 7ª Turma, TRT 3ª Região).

[14] EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO – EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO EMPREGADOR. Apurado e tornado líquido o crédito devido, a competência para a execução dos valores em relação à empresa que figura em processo de recuperação judicial é do Juízo Cível, enquanto não encerrada a recuperação. Nada obstante, em relação aos sócios do empreendimento, não há óbice legal ao prosseguimento da execução mediante desconsideração da personalidade jurídica. Agravo de petição a que se dá provimento. (TRT AP 00201-2011-102-03-00-2, rel. MARISTELA ÍRIS DOS SANTOS MALHEIROS, j. 20.05.2014, 5ª Turma, TRT 3ª Região).

[15] EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – SÓCIA DA EMPRESA AO TEMPO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DA EXEQUENTE – A jurisprudência consagra o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica da empresa para responsabilizar seus sócios, gerentes ou não, ainda que minoritários, pelos débitos da sociedade, independentemente da prática ou não de atos faltosos por parte destes. Assim, comprovado ser a Agravante sócia da empresa executada na época da prestação de serviços da Autora, fica demonstrado que a mesma se beneficiou de seus serviços. Ademais, a retirada de um dos sócios não o exonera imediatamente das obrigações da empresa em relação a seus empregados, continuando responsável, por até 02 anos apos a saída do quadro societário. (TRT AP 01041-2011-149-03-00-2, rel. juiz convocado PAULO MAURÍCIO RIBEIRO PIRES, j. 23.04.2014, 8ª Turma, TRT 3ª Região). Em sentido contrário, admitindo prova de não favorecimento pela atividade econômica da empresa executada e afastando a desconsideração da personalidade jurídica: “EMENTA: TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INAPLICABILIDADE DIANTE DAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. Uma vez não caracterizadas as hipóteses de abuso de direito, excesso de poder, má-gestão, desvio de patrimônio e fraude, porquanto demonstrado que a sócia executada figurou no quadro societário na condição de minoritária e apenas para permitir a manutenção da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, não auferindo qualquer proveito econômico, já que seu sustento advinha da atividade de professora universitária, fica afastada a incidência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. (TRT AP 01240-1997-086-03-00-3, rel. MAURA LAURA FRANCO LIMA DE FARIA, j. 26.01.2009, 1ª Turma, TRT 3ª Região).

[16] EMENTA: SOCIEDADE SEM FINS LUCRATIVOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.     IMPOSSIBILIDADE. Tratando-se   o Executado   de   entidade   sem   fins   lucrativos,   resta impossibilitada   a   desconsideração   de   sua   personalidade jurídica, porquanto não se verifica a distribuição de lucros ou de quaisquer vantagens entre seus sócios. (TRT AP 00424-2013-080-9, rel. FERNANDO ANTÔNIO VIÉGAS PEIXOTO, j. 22.10.2013, 6ª Turma, TRT 3ª Região). EMENTA: ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Não se aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica quando evidenciado que a executada é uma associação sem fins lucrativos, cujo objetivo é vinculado à colaboração na assistência e formação de alunos de escola municipal, e promoção da integração entre o poder público, a comunidade, a escola e a família, por meio da conjugação de esforços comuns para a solução de problemas inerentes à vida escolar, entre outras finalidades. Aquela teoria vem sendo aplicada no âmbito do Direito do Trabalho, tendo em vista o princípio segundo o qual o empregado não corre os riscos do empreendimento econômico, uma vez que ele não participa dos lucros; dessa forma, se não há bens da sociedade capazes de suportar a execução, o patrimônio dos sócios deve responder pelos débitos. Ocorre que, sendo a executada uma sociedade civil (ou associação) sem fins lucrativos e sem distribuição de dividendos ou quaisquer vantagens, com toda a sua renda destinada ao cumprimento das finalidades relatadas, não se pode afirmar que seus “associados” beneficiaram-se do trabalho prestado pelo exequente, tampouco que se locupletaram à custa alheia. Mantém-se, pois, a v. decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido relativo à desconsideração da personalidade jurídica. (TRT AP 00576-2001-055-03-00-8, rel. ALICE MONTEIRO DE BARROS, j. 27.01.2004, 2ª Turma, TRT 3ª Região).

[17] EMENTA: PRAÇA NEGATIVA – PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EXECUTADA – INDEFERIMENTO. Garantida a execução com bens livres e desembaraçados da Executada, os quais foram levados à praça que resultou negativa, ante a ausência de licitantes e de pedido de adjudicação, não há falar em desconsideração de sua personalidade jurídica, porquanto garantido o juízo da execução. (TRT AP 00051-2008-050-00-7, rel. TAÍSA MARIA MACENA DE LIMA, j. 22.10.2008, 10ª Turma, TRT 3ª Região).

[18] AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE ANÔNIMA. Admite-se a responsabilização patrimonial dos sócios, à luz da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, a teor do disposto no art. 28 da Lei nº 8.078/90 e artigos 50 e 1.024, ambos do Código Civil, e art. 592, inc. II, do CPC. No que pertine à sociedade anônima, a responsabilização pessoal dos seus participantes, pelas obrigações desta, é restrita ao acionista controlador, ao administrador e aos membros do conselho fiscal, conforme disciplina dos artigos 117, 158 e 165, todos da Lei nº 6.404/1976. Agravo de Petição conhecido e provido.       (TRT AP 03876-2005-016-16-00-9, rel. SOLANGE CRISTINA P. DE CASTRO CORDEIRO, j. 28.01.2015, data da publicação: 10/02/2015, 1ª Turma, TRT 16ª Região).

[19] EMENTA: EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITO LEGAL. O primeiro requisito a ser observado para ensejar a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (artigo 28, da lei 8 078/90, artigo 135 do Código Tributário Nacional e artigo 50 do Código Civil) é a constatação de inexistência ou insuficiência de bens da sociedade. De tal circunstância, no caso presente, ainda não se pode cogitar, porquanto nem sequer foram esgotados os meios de execução em face das empregadoras. Ademais, consoante ressaltado na decisão a qua, somente depois de efetivada a alienação particular dos bens arrematados pelos exequentes/credores trabalhistas será possível mensurar o crédito remanescente de cada um deles. Neste contexto, por ora, se mostra prematuro o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o que não impede a apreciação do tema, após esgotados os meios de execução em desfavor das reclamadas. Os trâmites legais garantidores dos direitos materiais e processuais aos litigantes, inclusive na fase de execução, exigem observância irrestrita, sob pena de ensejar futura arguição de nulidade, por violação ao princípio da legalidade, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (artigo 5º, incisos II, LIV e LV, da Constituição da República). (TRT AP 01700-2008-150-03-00-5, rel. juíza convocada MARIA CECÍLIA ALVES PINTO, j. 26.05.2009, 5ª Turma, TRT 3ª Região).

[20] EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ASSOCIAÇÃO CIVIL. TIME DE FUTEBOL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS DIRIGENTES. IMPOSSIBILIDADE. Não se pode “desconstituir a personalidade jurídica ” para atingir os associados e eventuais dirigentes, se o executado é associação civil, constituída nos termos do artigo 53 do Código Civil Brasileiro. A entidade associativa se define pela união para fins culturais, desportivos, cívicos de seus associados, estando o caráter voluntário da participação definido nos artigos 70 e 71 do estatuto. Não se pode presumir desvirtuamento da finalidade da associação, muito menos ação dolosa ou culposa dos sócios na sua administração. Caso existente, ela só poderia ser resolvida em ação judicial para fixar responsabilidade de dirigente de entidade associativa, ação essa de titularidade exclusiva dos associados, e não sem envolvimento com a teoria da desconsideração de personalidade jurídica de outras sociedades civis ou comerciais. A mera presunção de gestão fraudulenta ou a simples ilação de que todos os times de futebol seriam máquinas de compra e venda de atletas milionários, ou mesmo a fantasia quanto a serem todos os dirigentes esportivos pertencentes à espécie conhecida como “cartolas”, não autoriza desconsiderar a personalidade jurídica do executado para atingir bens dos dirigentes, sócios de associação, sem demonstração de que tenham praticado atos intencionais para fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica. (TRT AP 01036-2009-149-03-00-5, rel. RICARDO ANTÔNIO MOHALLEM, j. 08.03.2012, 9ª Turma, TRT 3ª Região).

[21] EMENTA: DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. POSSIBILIDADE DA INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO PASSIVO DA DEMANDA – FASE DE CONHECIMENTO. Nada impede que o trabalhador inclua os sócios da sociedade empregadora na posição passiva da demanda para evitar embates sobre a sua responsabilidade no curso da execução. Não se trata, na hipótese, de indevida antecipação da desconsideração da personalidade jurídica, mas de prévia definição da responsabilidade pela satisfação dos créditos objeto da demanda. O sócio, quando incluído no polo passivo da ação, tem, inclusive, a oportunidade de, já na fase de criação do título executivo, produzir defesa sem necessidade de garantir previamente a execução para fazê-lo. TRT RO 00106-2014-072-03-00-4, rel. juiz convocado CLÉBER LÚCIO DE ALMEIDA, j. 03.11.2014, 1ª Turma, TRT 3ª Região).

[22] Para o professor André Santos, historicamente a disregard doctrine tinha concepção subjetivista, pois era necessário demonstrar a existência da intenção elemento subjetivo) de fraude, ou seja, da vontade em prejudicar os credores. Esta concepção, atualmente, é de índole objetivista, pois permite concluir pela aplicação da desconsideração quando evidenciados “dados estritamente objetivos, como o desvio de finalidade e a confusão patrimonial”. Citando a jurisprudência (REsp 279273, redatora designada: ministra NANCY ANDRIGHI), o autor observa que a jurisprudência vem tratando, equivocadamente, a situação de desvio de finalidade como associado à concepção subjetivista e a confusão patrimonial como associado à concepção objetivista da teoria da desconsideração. O professor também alerta que as expressões “Teoria Maior” e “Teoria Menor” foram lançadas por Fábio Ulhoa Coelho, mas abandonadas pelo criador nas edições posteriores de suas obras (vide Manual de Direito Comercial – esquematizado, págs. 415 e 428/429).

[23] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et al. PRIMEIROS COMENTÁRIOS AO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais – Thomson Reuters, 2015. 1566 p.

[24] Neste sentido já recomendava a Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho (CGJT/TST), para os processos trabalhistas.

[25] Ver, a propósito: Lei n.º 12.440, de 7 de julho de 2011; Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993 e a Resolução Administrativa n.º 1.470/2011 – do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho – e alterações subsequentes.

[26] Por força do que dispõe o art. 596 do CPC, o sócio pode apontar bens livres e desembaraçados da sociedade comercial executada para que sejam usados na garantia da execução, antes de ver a constrição cair sobre seu patrimônio pessoal.

[27] Importante ponderar que a especial faculdade de impulsionar a execução de ofício pode ser, justamente, o argumento para que se levantem vozes contrárias à aplicação importada do incidente regulado pelo novo CPC. Impende destacar que, em tempos de Cumprimento de Sentença (que aboliu o Processo de Execução para Títulos Judiciais), o impulso oficial também pode ser exercido na Justiça comum, já que o art. 262 do CPC/1973 (ou art. 2º, nCPC) expressamente o confere ao julgador. Como vimos, até aqui a Justiça do Trabalho tem promovido a desconsideração primeiro e determinado a citação depois, estabelecendo o contraditório a partir da inclusão do sócio (ou da pessoa jurídica, na desconsideração inversa). O sócio citado tem a oportunidade de indicar bens da empresa executada (art. 596, CPC/1973 ou 795 do CPC/2015). O problema deste caminho trilhado pela Justiça do Trabalho reside em assegurar o amplo contraditório ao sócio (ou pessoa jurídica, na desconsideração inversa), pois: a) a desconsideração é definida antes da citação do sócio; b) citado o sócio para indicar bens da empresa executada nos termos do art. 596, CPC/1973 e, não os conhecendo ou não havendo, precisará garantir a execução para, só então, oferecer defesa na forma de Embargos à Execução. O prof. Dorotheo Barbosa defendeu, no XIX Encontro Institucional de Magistrados do TRT da 14ª Região que este sócio poderá invocar o art. 98, § 1º, VIII do novo CPC e, mediante a concessão da Gratuidade de Justiça, exercer livremente o contraditório. O busílis, no entanto, continua na hipótese em que o sócio, sem bens suficientes para garantir a execução, não se enquadre, no critério do julgador, como beneficiário da Assistência Judiciária gratuita. No pior cenário, como exercerá este sócio o seu direito ao contraditório?

[28] O CNJ disponibiliza para os magistrados uma importante ferramenta para prevenir negócios futuros que, adiante, venham a ser desfeitos por causa da fraude à execução. Trata-se da ferramenta de indisponibilidade de bens, desenvolvida para a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB (instituída e disciplinada por meio do Provimento n.º 39/2014 – CNJ) e aplicável em todo o território nacional. Para saber mais, visite: < https://www.indisponibilidade.org.br/autenticacao/ >. Acesso em 31/05/2015.

[29] TAUFICK, Roberto Domingos. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o controle das condutas e estruturas no direito regulatório. Revista JurÍdica, BrasÍlia, v. 9, n. 85, p.1-19, 2007. Bimensal. Disponível no seguinte link: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_85/Artigos/PDF/RobertoTaufick_Rev85.pdf >. Acesso em 21/05/2015.

[30] Aqui também calha destacar outra lição do Prof. André Santos, quando disserta sobre a aplicação da disregard doctrine mediante simples insuficiência patrimonial da empresa devedora (posição que, aliás, combate): “Assim, para entender melhor o posicionamento dos defensores da regra em análise, é interessante dividir os credores da pessoa jurídica em dois grupos: a) credores negociais e b) credores não negociais. Os primeiros seriam aqueles que têm condições de pactuar previamente a formação do seu crédito (ex.: bancos, fornecedores etc.), exigindo garantias, por exemplo. Já os credores do segundo grupo são aqueles que, contrariamente, não negociam a formação de seus créditos (ex.: trabalhadores, consumidores etc.). Assim, submetê-los ao risco empresarial seria injusto. É com base nesse raciocínio que a jurisprudência trabalhista aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mesmo sem previsão legal nesse sentido. Faz-se tábula rasa do princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas e das regras de limitação de responsabilidade dos sócios. No nosso entender, a aplicação da teoria da desconsideração em razão do mero prejuízo do credor, mesmo sendo medida excepcionalíssima, só aplicável nos estritos casos permitidos em lei (art. 28, § 5º, do CDC e art. 4º da Lei 9.605/1998) e na defesa dos interesses dos trabalhadores (por aplicação dos princípios protetivos do direito do trabalho), configura um violento golpe contra a segurança jurídica, gerando danos imensuráveis para o mercado”. (Grifo no original) Ob. cit., p. 420.

[31] Ob. cit., p. 415 e seguintes.

[32] O caderno da I Jornada de Direito Comercial pode ser acessado no seguinte endereço: < http://www.cjf.jus.br/cjf/CEJ-Coedi/jornadas-cej/direito-comercial/LIVRETO%20-%20I%20JORNADA%20DE%20DIREITO%20COMERCIAL.pdf >. Acesso em 21/05/2015.

6 comentários sobre “ASPECTOS DO NOVO CPC (III): O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O PROCESSO DO TRABALHO

  1. Celso Garcia junho 1, 2015 / 10:40 pm

    Parabéns, Kleber! Análise acurada e didática, ensejando uma ótima visão sobre a matéria e antecipando os debates que surgirão com a chegada do nCPC.

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    • Kleber Waki junho 2, 2015 / 7:20 am

      Muito obrigado, Celso! Esperando que possa ser útil para que façamos as reflexões necessárias à chegada do novo CPC.

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  2. Warley M. Garcia junho 2, 2015 / 11:49 am

    Muito bom, sem esquecer que qualquer reflexão e discussão sobre o novo CPC, neste momento, é muito bem vinda.

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  3. oswaldo moreira antunesd agosto 6, 2015 / 1:43 pm

    Gostei do seu trabalho, sem prejuizo de deixar consignado a existencia do meu trabalho a respeito do tema – aplicação da teoria da desconsideralção = letras juridicas = 2013.

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  4. Artur Sardeiro janeiro 31, 2016 / 11:44 am

    Muito bem sistematizado. Adorei o texto!!! Só não concordo com a orientação de evitar a deflagração do procedimento de ofício. A iniciativa do juiz pelo incidente está em harmonia com toda sistemática processual trabalhista, e aproxima o novo instituto dos princípios do ramo especializado. Além disso, o ordenamento já prevê outras hipóteses em que o próprio julgador analisa a irresignação em face de pressupostos concebidos de ofício (v.g. art. 285-A, §1º e art. 537, art. 529, art. 237, §4º e §7º, art. 805, 296, 461, §3º e §6º, todos do CPC/73). Parabéns pelo trabalho!

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  5. Aurora Dias Ramalho julho 27, 2017 / 10:06 am

    Excelente Artigo! Felizes os seus alunos! Imagino a riqueza das aulas! Um professor que defende o Bom Direito e o Bom Combate, que defende o Estado Democrático de Direito e as garantias fundamentais do Devido Processo Constitucional é sempre um Grande Mestre! Abraços fraternos, Professor!

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